8.12.09
constantino kavafis 1863-1933
Ítaca
Se partires um dia rumo à Ítaca
Faz votos de que o caminho seja longo
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem lestrigões, nem ciclopes,
nem o colérico Posidon te intimidem!
Eles no teu caminho jamais encontrarás
Se altivo for teu pensamento
Se sutil emoção o teu corpo e o teu espírito. tocar
Nem lestrigões, nem ciclopes
Nem o bravio Posidon hás de ver
Se tu mesmo não os levares dentro da alma
Se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
Nas quais com que prazer, com que alegria
Tu hás de entrar pela primeira vez um porto
Para correr as lojas dos fenícios
e belas mercadorias adquirir.
Madrepérolas, corais, âmbares, ébanos
E perfumes sensuais de toda espécie
Quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrinas
Para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas, não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
E fundeares na ilha velho enfim.
Rico de quanto ganhaste no caminho
Sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu
Se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência.
E, agora, sabes o que significam Ítacas.
trad. José Paulo Paes
ivan junqueira
A Antônio Carlos Secchin
Eu vi um sábio numa esfera,
os olhos postos sobre os dédalos
de um hermético palimpsesto,
tatear as letras e as hipérboles
de um antiqüíssimo alfabeto.
Sob a grafia seca e austera
algo aflorava, mais secreto,
por entre grifos e quimeras,
como se um código babélico
em suas runas contivesse
tudo o que ali, durante séculos,
houvesse escrito a mão terrestre.
Sabia o sábio que o mistério
jamais emerge à flor da pele;
por isso, aos poucos, a epiderme
daquele códice amarelo
ia arrancando como pétalas
e, por debaixo, outros arquétipos
se articulavam, claras vértebras
de um esqueleto mais completo.
Sabia mais: que o que se escreve,
com a sinistra ou com a destra,
uma outra mão o faz na véspera,
e que o artista, em sua inépcia,
somente o crê quando o reescreve.
Depois tangeu, em tom profético:
"Nunca busqueis nessa odisséia
senão o anzol daquele nexo
que fisga o presente e o pretérito
entre os corais do palimpsesto."
E para espanto de um intérprete
que lhe bebia o mel do verbo,
pôs-se a brincar, dentro da esfera,
com duendes, górgonas e insetos.
eugênio de andrade 1923-2005
de tanto que lhes queria:
e o seu muro de tristeza,
não de vespas
mas de tílias,
masculina água dos olhos,
instrumentos da alegria,
magníficos animais amedrontados,
um verão difícil
em altos leitos de areia,
da ternura,
na véspera de ser água,
o tempo ardido,
inclinado
para as aves,
ou se preferem: nupciais,
no intervalo das espadas
corre na colina
tudo tudo lhe doía.